quinta-feira, 30 de maio de 2024

A Casa do Amor

 

"O ser busca outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime só
que à vida imprime cor, graça e sentido."
(Carlos Drummond de Andrade)


(04/12/2023)

Somos seres em busca de outros seres, pois não nos completamos em nós mesmos. O poema de Drummond, ao tratar da busca-encontro do-com o amor, generaliza essa busca enquanto pessoaliza o buscante: "um ser". Essa temática encontra eco em outros poetas, a exemplo de Tom Jobim, que cantou: "fundamental é mesmo o amor: é impossível ser feliz sozinho", ou John Donne, poeta inglês, que já no século XVI declarava "Cada homem é um pedaço do continente, uma parte do todo (...) A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da humanidade". Definitivamente, precisamos do amor, o que equivale a dizer que precisamos de outro ser que, em sua aparente plenitude, tornará concreta a nossa própria completude, concretizando, assim, o amor. E essa necessidade natural do ser não se restringe aos relacionamentos íntimos; precisamos de outro ser ao lado, para caminhar com a gente, com quem dividir histórias, a quem nos dirigir para partilhar sonhos e frustrações, seja esse outro o amigo, o amor, o irmão.

Apesar de tudo isso parecer utopia quando olhamos para a sociedade em que estamos imersos e na qual palavras como individualidade, egocentrismo e autoconhecimento parecem valer mais do que coletividade, solidariedade e empatia, a verdade é que não encontraremos nossa razão de ser, a menos que nos encontremos no outro. A parte que nos falta é o outro, e encontrá-lo é concretizar o amor.

Como anunciado nos versos drummondianos, o amor imprime cor, graça e sentido ao ser que ama, o que nos leva à compreensão de que, antes de ser uma ação para fora, o amor exerce algo dentro de quem ama. E essa sensação de ligação com o outro que faz bem à pessoa que ama e, de alguma forma, a impulsiona a cumprir sua sina de se encontrar em alguém que está fora de si mesmo, essa sensação me faz pensar no Deus que é amor e que por nos amar nos deu comunidades a que chamamos igrejas.

Não somos seres relacionais por acaso: espelhamo-nos na imagem dAquele que nos criou e que é, por natureza, relacional. Já no Gênesis, vemos a primeira pessoa do plural manifestando a relacionalidade da Trindade na ordem "Façamos!" e o "Deus que fala 'nós' não poderia criar um ser que diz apenas 'eu' (GONÇALVES, 2019, p.32). Por isso, as comunidades eclesiásticas - que têm a missão de reunir os santos para anunciar o Reino de Deus enquanto servem à comunidade - precisam ser esse espaço em que o amor torna-se concreto nas relações que se estabelecem entre os irmãos.

Essa comunhão, no entanto, não pode se pautar em gostos pessoais ou seleções por afinidades, mas deve ter como modelo o ser relacional que Deus é. Desde o Éden, vemos o Criador em comunhão com Adão e Eva, Suas criaturas, uma comunhão que se estende ao longo da narrativa bíblica. Nosso Deus, portanto, é um Deus que se relaciona com Seu povo; como povo de Deus, pois, nossos relacionamentos devem se pautar no conhecimento do outro, o que gera pertencimento, e não em acasos ou encontros esporádicas; afinal, "igreja não é um lugar para frequentar, mas uma família para pertencer" (id, p.151). Essa constatação nos leva de volta ao conceito de amor como ação que nos move ao outro para que, ambos, completemo-nos com cor, graça e sentido. A igreja é esse lugar de completude, por isso nos alegramos com as vitórias de nossos irmãos e lamentamos e choramos com suas dores na mesma intensidade com que vibramos com nossas próprias alegrias e nos afligimos com nossos pesares. Isso é amor em sua concretude; isso é igreja em sua essência; isso é reflexo do Deus que é amor.

Igreja é o local onde os relacionamentos são curados exatamente porque é composta de pessoas que encontraram o Amor de suas vidas após buscar "outro ser, e ao conhecê-lo" acharam, definitivamente, "a razão de ser", tal qual Agostinho, que em sua busca declarou "Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti". Quem encontra esse descanso encontrando Deus tem a vida transformada e, por essa transformação, pode, enfim, olhar para o outro vendo nele a imagem de Deus. Por fim, ao vê-la, é levado a estender para fora o amor que o invadiu quando Deus, o amor, irresistivelmente o chamou para si. O outro nos revela o próprio Deus, daí que "precisamos uns dos outros para que tenhamos uma revelação de quem é Deus" (id, p.130).

Igreja é o local que abriga vários eus que encontraram o Amor em sua concretude e, doravante, compreendem-se nós. Igreja é, portanto, a Casa do Amor.


GONÇALVES, Douglas. Sou nós: a imagem de Deus em nós. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.

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