"Eu vi o Amor — mas nos seus olhos baços
Nada sorria já: só fixo e lento
Morava agora ali um pensamento
De dor sem trégua e de íntimos cansaços."
(Antero de Quental)
(13/11/2023)
No poema Visão, do poeta português Antero de Quental, cuja primeira estrofe nos serve de epígrafe, o eu lírico vê o invisível: ele vê o amor. Não obstante, trata-se de um amor triste, melancólico, cansado, de olhos baços - o que a mim parece pouco inspirador. A visão pode não ter sido das melhores, mas quero ater-me ao fato de que ele "viu".
E, então, pergunto: como está a sua visão? Você tem conseguido enxergar - bem e com clareza - tudo o que está à sua volta? Tenho andado preocupada com a minha visão, especialmente a do olho direito; nele há certo embaçamento, além de coceira e lacrimejar que têm incomodado e interferido no que vejo. Consulta já marcada ao oftalmologista para averiguar do que se trata. Entretanto, com visão embaçada ou límpida, a verdade é que nem sempre vemos o que precisamos ver e, por vezes, vemos o que não deveríamos.
Jesus, no Sermão do Monte, nos informa e adverte:
"Os olhos são a lâmpada do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz; se, porém, os seus olhos forem maus, todo o seu corpo estará em trevas. Portanto, se a luz que existe em você são trevas, que grandes trevas serão!"
(Mt 6.22,23).
O Mestre ensina nesse trecho que os olhos precisam ser sadios, pois essa "saúde visual" permitirá escolhas saudáveis do que se vê. Um olho enfermo vê as coisas turvas, embaçadas, sem nitidez; se em meio à escuridão, não é capaz de distinguir objetos ou pessoas, pois vê apenas as trevas diante de si. Ao contrário, porém, olhos saudáveis podem selecionar o que é visto, abstendo-se de visões constrangedoras ou más, por exemplo, e, ainda, são capazes de ajustar o foco e enxergar mesmo em meio às trevas.
A advertência de Jesus nos versículos lidos acima traz consigo uma responsabilidade: se há um peso tão grande sobre os olhos, ao ponto de eles serem a lâmpada do corpo, é preciso cautela e prudência para escolher, sabiamente, aquilo que veremos do que se apresenta diante de nós. Analogamente, portanto, assim como os olhos naturais trazem luz ou trevas para o corpo, a depender de sua saúde, os olhos espirituais também precisam de saúde, sob pena de, não a tendo, transmitirem a enfermidade da falta de visão para todo o corpo.
E como podemos manter a saúde de nossos olhos espirituais?
A tônica do capítulo 6 de Mateus centraliza-se na exortação para que seus discípulos fixem suas afeições não no mundo, mas no reino de Deus. O Mestre fala sobre a forma correta de dar esmolas, orienta como se deve orar, deixando como modelo a oração conhecida como "Pai Nosso", ensina sobre o jejum e orienta que tesouros no céu sejam acumulados, e não na terra. Depois desses temas, trata dos versículos que destacamos, evidenciando os olhos, a partir das oposições: bons x maus; luz x trevas. A saúde de nossos olhos espirituais poderá ser mantida quando compreendemos a lógica de vida esperada para um discípulo de Jesus: como filhos e filhas de Deus, integrantes de Seu reino, precisamos pedir ao Pai que abra nossos olhos para que possamos ver as maravilhas de Sua Lei (Sl 119.18) e que, ao vê-las, possamos nelas pensar (Fp 4.8)*. É assim que deve viver um cidadão do reino de Deus: tendo o Senhor como Rei em seu coração e suas emoções, pensamentos, visão e comportamento voltados para a Palavra de Deus. Há bênçãos lindas diante de nós, prometidas por nosso Pai nas Escrituras, mas por vezes não conseguimos enxergá-las porque deixamos que o pecado embace nossa visão espiritual.
A Lei do Senhor - a Sua Palavra - é a luz na qual devemos fixar nossos olhos para que, enfim, eles sejam bons e, nosso corpo, iluminado. O apóstolo Paulo, ao orar pela igreja de Éfeso, pede a Deus "que ilumine os olhos do coração" daqueles irmãos, para que pudessem saber "qual a esperança da vocação" e "a riqueza da glória da sua herança nos santos" (Ef 1.18). Quando nossos olhos estão fixos em Deus, vemos o próprio Amor (1 Jo 4.8), e esse - acreditem - difere totalmente do amor visto por nosso poeta; em Deus, o Amor, não há tristeza ou cansaço, tampouco lástima ou embaçamento. Deus, o Amor, nos instrui e ensina quanto ao caminho que devemos seguir, guiando-nos com Seus amados olhos (Sl 32.8) por uma vereda "que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito" (Pv 4.18). Portanto, "se pusermos nossos olhos na Palavra de Deus, ela nos levará mais adiante" (Calvino, Escritos Seletos).
Que Ele nos abra os olhos.
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