quinta-feira, 30 de maio de 2024

Não deixe de orar!

 

"Parem de reagir.
Nas paredes
Discursos de obscenidade
nenhum santo me escuta."
(Mia Couto)

(19/09/2023)

O poema de Mia Couto intitula-se Versos do prisioneiro (1). Nele, o eu lírico transmite sua descrença em meio ao silêncio de sua prisão. Diante dele e à sua volta, apenas paredes riscadas de obscenidades; quanto à escuta, nenhum santo parece ter essa habilidade.

A desesperança e a solidão não são, no entanto, características exclusivas do poeta. Por vezes, eu e você podemos passar por situações que parecem nos afastar de nossas crenças, valores e amigos. O que determina o desfecho nesses casos é o que fazemos - ou deixamos de fazer - quando parece não haver auxílio ou escuta. Para o poeta, a ação foi de interrupção: ele deixou de rezar. E você, o que faz? Quando à sua voz segue-se o silêncio e seu grito não obtém resposta ou quando seus olhos esticam-se à procura de alguém, mas não encontram ninguém como resposta, o que costuma fazer?

Permita-me compartilhar o que a Bíblia nos ensina a fazer a esse respeito. Sim, ela também fala de solidão e abandono. A Bíblia não é um conto de fadas que trata de um mundo fantasioso e perfeito; ela é a Palavra do Deus que decreta providência e amor sobre todas as coisas. Dessa forma, sim, nela há espaço para a dor, o abandono e a solidão, porque essas são situações típicas do homem e a Escritura é, justamente, a Palavra de Deus que vem ao homem, em seu estado caído.

O salmo 121 começa com uma constatação e uma pergunta:

"Elevo os meus olhos para os montes: de onde me virá o socorro?" (Sl 121.1)

Trata-se de um canto de romagem e, geralmente, quando em peregrinação para Jerusalém, os peregrinos costumavam olhar para o alto, para os montes, local que lhes inspirava a lembrança do Deus manifesto, pois Sião, um desses montes ao norte de Jerusalém, era o símbolo físico da morada de Deus, por ser o local do templo do Senhor. Perceba que o salmista também parece buscar à sua volta alguém que lhe responda e lhe sacie a dúvida - e, ao olhar para os montes, tem sua memória refrescada: se em Sião está o templo do Senhor, é este Senhor quem ouvirá a minha voz! Assim, declara no versículo 2:

"O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra" (Sl 121.2)

A certeza de que Deus existe e cuida da gente é o combustível que nos faz prosseguir a cada dia, na confiança de que é dEle que vem o nosso socorro. Essa segurança nos impulsiona a orar a Deus, buscando-o de todo coração. Quem já experimentou a resposta de Deus sabe que pode clamar a Ele de novo e de novo, porque Ele se importa e ouve; ainda que nenhuma pessoa ou santo escute a sua voz, Deus escuta, porque se importa com você:

"Ele não permitirá que os seus pés vacilem; não dormitará aquele que guarda você. É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel. O Senhor é quem guarda você; o Senhor é a sombra à sua direita." (Sl 121.3-5)

O cuidado de Deus por nós manifesta-se nos mínimos detalhes: fornecendo resposta, trocando choro por riso, abastecendo o que falta, sendo sombra nos desertos da vida. Ele é tanto o guarda de Israel, ou seja, da coletividade, quanto Aquele que guarda a sua vida, em particular.

"O Senhor guardará você de todo mal; guardará a sua alma. O Senhor guardará a sua entrada, desde agora e para sempre." (Sl 121.7-8)

A experiência de se sentir sozinho é bem dura. Clamar sem obter resposta causa ainda mais dor e intensifica o sentimento de solidão. Deixei de rezar é o primeiro e o penúltimo verso do poema de Mia Couto, reiterando que o eu lírico não mudou de opinião. Quanto a você, minha oração é que o Espírito Santo alcance sua mente no ponto em que este texto não consegue chegar e que Ele reitere em você a certeza de que Deus ouve sua oração. Não deixe de orar. Ele te ouve.


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