quinta-feira, 30 de maio de 2024

Seja paciente

 

"Deus é paciência"
(Guimarães Rosa)

(26/09/2023)

A certa altura do romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, Riobaldo exclama: "Deus é paciência." Conhecido pelas magníficas subversões que fez na língua, Rosa parece ter acertado na simplicidade da fala desse personagem. Essa definição de Deus é coerente; Ele é, de fato, paciente, e sua paciência é uma prova de sua bondade. Deus tolera nossos pecados e os perdoa - mesmo que nossos pecados constituam uma afronta à sua santidade. Ele é longânimo para conosco, "não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento" (2Pe 3.9). Longanimidade é um aspecto do fruto do Espírito (Gl 5.22-23) e essa virtude pode ser compreendida como uma ampliação da paciência, ou uma paciência especial para suportar injúrias de outras pessoas; e Deus é longânimo, suportando nossas injúrias e infidelidades.

Nós, criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus, temos a semente da paciência implantada em nosso DNA. No entanto, nem sempre a deixamos florescer, não é verdade? Afinal, vivemos na era do imediatismo; da alimentação fast-food ao pagamento de contas por aproximação, a celeridade da vida vai nos moldando e tornando cada vez mais intolerantes à paciência. Tudo o que nos interessa está a um clique de nossas mãos, e isso tem nos transformado numa sociedade cuja história se molda por episódios que se iniciam e se concluem muito rapidamente. O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman nomeou nossa sociedade e as relações que nelas se desenvolvem de líquidas; de fato, a superficialidade torna-se protagonista, tal qual a rapidez, e a paciência é, nesse palco, a grande antagonista de nossos roteiros de vida. Em meio a essa liquidez, contamos com a paciência de Deus e a pedimos com frequência, sem, no entanto, compreender que Ele deseja que nós, também, sejamos pacientes.

Sim! O Deus da paciência deseja que nós, seus filhos e filhas, sejamos, também, pacientes, e podemos verificar isso ao longo da Escritura. O salmista nos convida a descansar no Senhor e esperar, pacientemente, nEle, na certeza de que dEle é que vem a nossa salvação (Sl 37.7-8) e também nos anima a ser fortes e esperar no Senhor (Sl 27.14), enquanto o sábio nos ensina a combater a vingança com a paciência, esperando pelo livramento de Deus (Pv 20.22), além de destacar que o paciente acalma discussões (Pv 15.18), pois a paciência lhe dá sabedoria (Pv 19.11). A exortação paulina aos gálatas foi para que não se cansassem de fazer o bem, pois a colheita viria e eles poderiam vê-la, caso não desanimassem (Gl 6.9). Aos filipenses, o apóstolo orientou que não andassem ansiosos, mas que apresentassem a Deus, em oração, seus pedidos (Fp 4.6). Ao discorrer sobre o amor, Paulo afirma: o amor é paciente, pois tudo espera (I Co 13.4,7).

Deus, o Amor (I Jo 4.8), é paciente. Nós, seus filhos e filhas, também precisamos ser. A despeito, porém, desse fato ou dos versículos acima apresentados e de tantos outros que poderíamos citar, não é fácil desenvolver a paciência. Nosso imediatismo grita por respostas, soluções e desejos atendidos na hora, obviamente. Aquela ideia de aguardar a salvação do Senhor e, ainda por cima, em silêncio (Lm 3.26) parece-nos cada vez mais distante. No entanto, o apóstolo Paulo, em sua carta aos romanos roga ao "Deus da paciência" que lhes "conceda o mesmo sentir de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus" (Rm 15.5), e isso nos mostra que é possível nos tornarmos pacientes, a despeito da impaciência que em nós habita. Deus, que nos escolhe e chama, também nos capacitará e transformará até que sejamos filhos pacientes, para a glória de nosso Pai.

Como disse o pastor Yago Martins, "ser crente é esperar" (MARTINS, 2020, p.133), pois o que nos move é a esperança da volta de Jesus, nosso Redentor: "A vinda do Senhor está próxima e, se precisamos esperar por isso com paciência, encontramos força para esperar outras coisas menores" (id, p.141). Enquanto miramos nesse dia glorioso, nosso coração é inundado de uma santa paciência, e a certeza de que tudo tem seu tempo determinado (Ec 3.1) nos apazigua, em vez de nos atormentar. Tenhamos, pois, paciência. Ele já começou a obra em nós - e há de completá-la até o dia de Cristo Jesus (Fp 1.6).

Que Deus abençoe a sua vida!


MARTINS, Yago. Pecados aceitáveis. Brasília, DF: Editora 371, 2020.

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

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